18/06/2010

Janela

[Bom dia, leitores!! Bem, desculpa, mas hoje não postarei mais um capítulo do conto. Sei que alguns estão já desesperançosos sobre a continuação da história. Garanto que teremos continuação amanhã!! rs Aconteceram algumas coisas... e tudo que eu escrevia, parecia digno de ser usado no banheiro. Enfim,... Hoje acordei com uma frase na cabeça e escrevi um textículo. rs Espero que gostem. E aguardem para amanhã a continuação do conto. Beijos, agradecida. Zig. ]



Janela

Abro a janela. Encosto-me nela ainda com a cara inchada dos meses adormecida. Já recobrando o ânimo com os poucos raios de sol que varam as negras nuvens que pairam no céu, avisto 2 moças na rua; uma a subir e a outra, a descer.

A que desce me apareceu assim, no meio do desânimo, do desconforto da própria vida. E de dois contatos lisonjeiros e regados por algumas boas gargalhadas, eu não soube dizer “não” ao convite daquela tarde tão corrida. Naquele começo de noite, sob a lua a surgir devagar no céu azul marinho, me beijaste. Soavas como o início de um novo ciclo que eu me propunha a iniciar. Ciclo de desapego, de leveza, de calmaria em meu mundo sempre tão conturbado e agredido. Minh’alma já tão castigada e solitária ansiava por alguém que pudesse me ser mais companheira que amante; mas, obviamente, não me negaria a amante...! Do mesmo jeitinho que o início se deu, deu-se o fim; inesperadamente. Línguas vorazes, malditas, leprosas e levianas. Mentes que deturpam, enojam. Ingenuidade minha achar que eu tinha amigos. O peito que respirava o aroma adocicado que vinha daquele sorriso discreto e tímido, lamentou ao ver a oportunidade de algo tão singelo e bom lhe escapar por entre os dedos. “Será impossível viver algo tranqüilo?”- questionei-me. Até agora, debruçada nesta janela, o carteiro do tempo não me chegou com a resposta para esta e tantas outras perguntas. E lá se vai ela, ladeira a baixo. Com o violão nos braços, vai exorcizar os maus sentimentos, os desamores e amores que lhe invadem o coração. Os cabelos negros balançam seduzindo a cada passada naquela ladeira. Ah, se eu soubesse que tudo acabaria com tanto desgosto... Ah, se eu soubesse. Não teria aceitado aquele convite. Vendo-a já distante, uma cantiga volta do fundo da memória. “Se esta rua, se esta rua fosse minha eu mandava, eu mandava ladrilhar... Com pedrinhas com pedrinhas de brilhantes...”. Eu mandaria sim, só para ter novamente aquele sorriso, que um dia te dei. A chuva resolveu cair naquele instante, mas não me prestei a fechar a janela.

A que subia, passa sempre a minha porta. Avistou-me na janela e sorriu, segurando em meus olhos seu olhar. Com eles vem uma canção ao meu ouvido. "Corre solta suassuna noite, tocaia de animal que acompanha sua presa. Escravo da sua beleza, daqui a pouco o dia vai querer raiar...". Constranjo-me fácil, esquivo o rosto, mas me permito um sorriso dar. Ela sempre fez isso; olhar, sorrir e ir. Por muitos dias vivi a querer-lhe imensamente. Tem os ombros adornados por estrelas, os olhos marcados de preto, a boca insinua-se a cada palavra dita, o corpo inspira lascívia e desejo. Atrai olhares por onde anda, arranca elogios dos transeuntes. Jamais me passaria em branco um ser com tamanha beleza e intensidade. Trocamos certa vez algumas palavras, mas teus olhos falavam mais que seus próprios lábios; e que lábios...! O tempo correu, e quando menos imaginei me veio vestida de negro com as curvas marcadas, assunto puxar. Ainda não entendo como e muito menos porque, mas me tiraste do chão naquela noite trôpega. Vieste-me com uma conversa fiada e eu, mesmo destreinada, não te deixei escapar. Só há um único infortúnio; minha também não serás. Seu corpo pertence a outro; sim, no masculino; e dele é certo que não te largarás. “Por que estás com ele se não és feliz?”- perguntei. E esta resposta o carteiro do tempo ainda não soube lhe dar. Me dói te ver assim, angustiada, reprimida, pela metade. Encorajo-te a se libertar, mesmo que não seja para ficar comigo. Coisa mais triste é viver pela metade aquilo que somos por inteiro. Subindo a ladeira ela continua, mesmo debaixo do toró que se propôs a cair, vira volta e meia para me fitar. Antes mesmo que ela termine a subida, fecho minha janela. O vento frio da solidão me faz bater o queixo. Dois passos dei dentro de casa e ouço a campainha tocar. Era o menino de recados dizendo para encontrá-la ainda hoje, na mesma hora e lugar. Dei-lhe um trocado e com a mão, sua cabeça afaguei.

Sentada numa cadeira preguiçosa, de cigarro nos dedos, concluo que seja melhor assim... uma a subir e outra a descer, mas sem que nenhuma pare a minha porta e peça para ficar. Pois, meus dias são longos, minhas noites gélidas, minha história tortuosa e meu futuro, sabe lá o que me reserva. Sou assim, um dia de cada vez. Companheira genuína só a solidão, que com ela já me acostumei. Agora, ela me chama para a cama, para novos longos meses adormecida. Não sou eu nem Cinderela, nem Margarida. Sou apenas mais uma que possui coração disposto a flertar com o amor.

[Eu só precisava respirar um pouco.]

Zig.

26/05/2010

Pseudos - Parte 5

De pé perto cama, parei. Cecília olhava-me tensa. Comecei então, a pensar que aquilo poderia ser um imenso erro. Antes mesmo que eu mudasse de idéia e parecesse ridícula, Cecília deu um passo a frente. “É isso que você quer...?”- questionou-me num sussurro quase inaudível. E num rompante de desejo, a beijei. Minha boca pousou sobre seus lábios rosados e macios de forma perfeita. Senti então sua língua invadir minha boca e procurar a minha. Era sutil e carinhosa; enquanto me beijava, uma de suas mãos segurava-me pela nuca e a outra percorria minhas costas até o quadril. Abraçou-me forte e comprimiu meu corpo contra o dela. Nossos beijos ficaram mais intensos. Ela sugava meus lábios como se sentisse fome. Sua língua invadia minha boca com mais voracidade e movimento.

A priori, tive o receio de tocá-la. Mas, quando dei por mim, eu já tateava inexperientemente aquele corpo que tanto desejei. Seu corpo esguio não era mera impressão. Os ombros largos, idem. Seus braços mesmo finos eram fortes; força essa que sentia a cada abraço mais apertado que recebia. Tinha o tronco de silhueta sinuosa, como denunciara a roupa molhada. A ânsia de tocá-la era gritante.

Passando os braços por minha cintura, puxou meu quadril para junto do seu e senti seu sexo. Aos beijos calorosos, friccionou seu sexo no meu. Umedeci. Ela se mexia como se dançasse devagar, me excitando a cada movimento dado. Ela me surpreendia ao dar um movimento mais firme e brusco, fazendo com que a pressão de nossos sexos fosse maior. Nossas respirações já eram sôfregas. Sem pensar, coloquei as mãos por baixo da camiseta que vestia. Minhas mãos deslizaram facilmente por seu corpo. Tirei sua blusa. Seus seios eram quase juvenis; pequenos, rijos, rosados. “Linda...” – diziam meus olhos a admirá-la. Como se já tivesse feito aquilo antes, acariciei-os, roçando devagar meu polegar em seus mamilos. Arrepiou-se. Puxou meu rosto e tornou a me beijar.

Cecília começou, entre as carícias que fazia, também a me despir. Suas mãos hábeis eram ardilosas ao deslizar por meu corpo. Tirou minha blusa e fomos para a cama. Deitadas, nos encaixamos num abraço forte. Cecília colocou-se entre minhas pernas e continuou com aquela dança libidinosa. A cada minuto que passava minha excitação era maior. Cecília também já não controlava gemidos e sussurros. Levantando-se um pouco, pôs a mão no cós da calça que vestia e a desceu. Logo em seguida, fez o mesmo com a parte de baixo da minha camisola. Beijava-me enquanto casava seu sexo com o meu. Senti meu clitóris sendo pressionado e a sensação era inebriante. Desceu sua boca pelo meu pescoço, queixo, me mordiscando, beijando, lambendo devagar. Escorregando mais, encontrou meus seios. Acariciou-os e os abocanhou. Sugava-me como se quisesse retirar o que pudesse de mim. Sentia sua língua brincando em círculos em meus mamilos ou mesmo, indo de um lado para outro. Saiu então, beijando meu tronco, costelas, barriga, inseriu sua língua em meu umbigo e mais abaixo achou meu sexo, úmido, rijo, esperando por ela.

Beijou minha virilha e depositou seus lábios nos meus. Sua língua, que já mostrava destreza, fazia jus a impressão que deixou com os beijos que me deu. Corria com ela por todo meu clitóris, sugava-o vez em quando. Cada movimento feito por ela possuía extrema perícia. Os efeitos eram devastadores. Usufruindo daquele deleite sexual, não demorei a sentir meu corpo vergar, meus pés curvarem, minhas mãos agarrando os lençóis. Aquela explosão de prazer característica do ápice que há tanto tempo não sentia, inundou meu corpo, me fazendo arfar e gemer. A violência da reação foi tamanha que me faltou o ar. E o ápice se deu. Cecília ainda ficou ali, bebendo na fonte por pura luxúria, me fazendo dar suspiros. Subiu devagar e, ainda com boca molhada de mim, me beijou. Agarrei-a como se quisesse me fundir a ela. O sangue pulsava em minhas veias e, mais que a sensação de gozo, a de me sentir viva era impagável.

Voltamos aos beijos e a vontade de tentar lhe dar o mesmo prazer desabrochou. “Quero te fazer gozar...”- revelei. Sorrindo hedonista, beijou-me levando minha mão ao seu sexo. Ela estava completamente úmida. Seu clitóris denunciava toda a excitação que sentia. Empirista, comecei a tocá-la. Cecília, aos poucos, passou a me beijar devagar, mas, firmemente, segurando meus lábios em sua boca por um bom tempo. Aumentei um pouco a pressão de meus dedos e sua velocidade, sobre o clitóris dela. Mordeu-me a boca. Sua respiram acelerara e fincava as unhas em mim. Quase que inconsciente, Cecília pôs a mexer seu quadril aumentando a fricção de meus dedos. Quando, menos espero, Cecília morde meu ombro e puxando a respiração o máximo que conseguia, gozou. Ficou ali, sobre mim, de olhos fechados se deliciando o ápice. Dormimos assim; entrelaças. Perfeito demais para ser verdade, não...?

Acordei suada, úmida e incrédula. “Sonho, mero sonho”. Levantei e antes mesmo de ir ao banheiro me arrumar para trabalhar, abri a porta do quarto e dei de cara com Cecília se calçando, já vestida. Olhando-me ainda de cara amassada, quis saber se havia dormido bem. “Não. Eu tive um sonho... enfim,...”- falei dando as costas. Fechei a porta e enquanto eu me despia, Cecília bateu. Mandei-a entrar voltando a vestir a parte de cima da camisola. “Eu não posso ir embora sem antes...”- disse antes de me agarrar pela cintura, me beijar e sair. Sem qualquer reação plausível, romântica ou heróica, continuei ali, de pé, apenas ouvindo a porta do apartamento ser fechada. Sentei na cama e vontade me defenestrar era do tamanho do céu. “Infortúnio”.
 [Gente, quero agradecer o carinho e atenção dos que tem lido o blog! Obrigada mesmo...! Isso aqui é cíclico...! Eu os alimento e vocês me alimentam...! Agradecida, Zig. ]

23/05/2010

Pseudos - Parte 4

[Antes de começar este post, quero me retratar com as pessoas que têm acompanhado (imagino que sejam poucas, pq ngm comenta, ngm vota... rsrs). Eu deveria ter postado na 6ª feira como de praxe, sei... Me desculpem! Porém, algumas coisas aconteceram... alguns infortúnios, algumas tarefas e cm tbm sou filha de Deus, fui conhecer uma guria que, espero eu poder encontrá-la de novo, quando eu tiver mais tempo e ela estiver menos bêbada...! XD Enfim,...! Só pude postar hoje. Espero que curtam... Apesar de sentir que alguns vão querer me matar no final...! *medão* Boa leitura! =D Obrigada por lerem!]
Após aquela tarde em que recebi a visita de Eduarda, fui entronizando aos poucos meu interesse por Cecília. Nossas rotinas se tornaram cada vez mais afinadas, assim como nós mesmas. Almoçávamos juntas todos os dias, saímos para tomar alguma coisa depois do trabalho algumas vezes; na verdade, quando eu não estava tão cansada. Nosso contato físico era inevitável. Enquanto conversávamos era impossível não tocar os braços da outra, as mãos e muito menos ficarmos sem nos encarar. Certa vez, Cecília se pôs a brincar com meus anéis. Sentadas naquele bar da nossa primeira conversa, segurava minha mão e os girava de um lado para o outro devagar. Ela possuía as mãos delicadas, finas, macias... fiquei em silêncio por um tempo, usufruindo daquela sensação gostosa de estar sendo acarinhada sutilmente. E mesmo que não nos víssemos pessoalmente, nos ligávamos. Algumas vezes Eduarda me procurou, para saber como eu estava levando a situação. “Não sei lhe dizer, Duda... Só sei que não nos desgrudamos... E é muito bom tê-la por perto.”.



Aproximadamente um mês e meio se passou, e Cecília já habitava meus sonhos. Eu, curiosa e desnorteada, pesquisei na internet sobre tudo que envolvesse duas mulheres. “Muita informação...”- me surpreendi. Constrangi-me um pouco quando dei de cara com um Kama Sutra para lésbicas. Não sabia se ria ou se me assustava. A idéia de ter qualquer contato sexual com uma mulher ainda era complicada de assimilar. Mas a mesma possibilidade envolvendo Cecília se tornara um desejo imenso.



Num dia desgastante e atribulado, ela telefonou me convidando para almoçar. Recusei prontamente. “Hoje habita o caos aqui, Ceci... Tive que correr muito e tô vendo a necessidade de demitir um advogado...”. Preocupada, perguntou se poderia fazer algo para melhorar meu humor. “Só me espera sair daqui hoje... a gente senta, conversa, toma algo... ok?”. Como o acertado, Cecília apareceu no escritório após sua última aula dada. Só não contávamos com uma chuva torrencial. “O próprio dilúvio.”



Depois de uma hora ainda trabalhando, ajeitei tudo e saímos. Ela questionou-me sobre ainda querer tomar algo. Retruquei que o bar era próximo e, implicando, perguntei se ela era de açúcar. “Só provando para saber...!”. Ri, enrubescida. Descemos enquanto eu contava sobre o dia conturbado que eu tivera. Ficamos paradas por um tempo na porta do prédio, avaliando a intensidade da chuva. Ao dar uma estiada, andamos rápido para o bar de sempre.



No bar, a chuva voltou a ser forte. Conversamos, bebemos um pouco. Cecília estava insuportavelmente encantadora naquela noite. Não havia uma frase que eu dissesse, que ela não aproveitasse para dar uma (in)direta. Talvez já intencionasse me fazer sair dos nossos encontros de amiga. Eu estava cansada demais para passar muito tempo ali, apesar de querer muito estar com Cecília. Quando eu pedia a conta, seu celular tocou. “Oi, mãe... [pausa] tá tão ruim assim...? [pausa] Certo. Então, eu me viro... Qualquer coisa, ligue. Beijo”. Antes mesmo que eu perguntasse o que acontecera, Cecília explicou que seu bairro não possuía uma boa engenharia de escoamento de água. Por conta disso, toda vez que chovia muito, as ruas alagavam. “A nossa sorte é que nossa casa é alta. Já vi muita gente perdendo suas coisas...”. No meio do silêncio de consternação que se instalou, não quis ver nas entrelinhas a oportunidade que se mostrava em neon. Afirmei que, então, ela não teria como ir para casa. Cecília balançando a cabeça confirmou. Resolvemos esticar nosso tempo no bar apenas o suficiente para tomar uma bebida. Ao final, de conta paga, chave e bolsa em mãos, respirei fundo. “Você dormirá comigo.” Cecília olhou-me surpresa. “Na minha casa, Ceci... Enfim,...”. Ela não quis aceitar, alegando que seria incômodo demais. “Se fosse, não convidaria. Vais ficar na rua?”. Após um tempo pensando olhando para a chuva, aceitou.



De pé na saída do bar ficamos olhando a chuva cair. Cecília, olhando para mim, segurou-me pela mão e me puxou. Saímos as duas correndo pelas calçadas, com aquela chuva densa e forte sobre nossas cabeças. Admitir que uma vontade súbita de apenas andar debaixo daquela chuva faz-se desnecessário. Naquela típica cena de clichê, parecíamos adolescentes que buscam motivo na pressa para aproveitar um bom banho de chuva. E era bom. Rejuvenescedor.



Voltamos a frente do prédio onde trabalhamos e entramos no meu carro. Rindo muito da estripulia, apenas no recostamos e nos guiei para casa. No caminho, nada dissemos. O silêncio era tão cúmplice que seria crime acabá-lo. Do nada, Cecília decidiu ligar o som. “Come on and save me... from the rangs of the freaks Who susppect they could never Love anyone...”. Fomos até o apartamento com Aimee Mann a nos embalar. Entrei no prédio, estacionei o carro, descemos. “Você tá muito engraçada.”- comentou sobre minha roupa social encharcada. Olhei para ela e era a visão mais linda que eu já tivera de alguém. Ela jogou os cabelos molhados para o lado e seu rosto feminino quase infantil se iluminou. A camiseta molhada sobre o corpo enfim deixou transparecer a silhueta que tanto escondia.



Já dentro do apartamento, disse que poderia colocar suas coisas onde achasse melhor. Me encaminhei para o quarto enquanto ela ficou tirando seu tênis na sala. Ao voltar, lhe entreguei uma toalha, camiseta e uma calça tipo pijama. “Ficarão bons em você. São bem folgados, não se preocupe.” Ela agradeceu. Enquanto ela banhava também fui me trocar e tratar de tirar aquela roupa ensopada. Debaixo do chuveiro, senti-me com os músculos rígidos mais que o normal. “Calma. Não acontecerá nada de mais.”.



Saí do banho, me vesti e fui ver se Cecília precisava de algo. “Eu disse que ficaria bom.”- comentei ao vê-la com minhas roupas. Fui a cozinha preparar um café para nos esquentar. Ela elogiava a decoração enquanto eu preparava tudo. Ri, pois não esperava que entendesse daquilo. Ela entendeu meu riso e apenas o acompanhou. Fomos para a sala e sentadas, ficamos assistindo a tempestade que se caía pela porta de vidro da sacada. Vendo que ela havia terminado seu café, recolhi a xícara e fui ao quarto buscar travesseiro e cobertor. Entregando-lhe tudo, informei que eu dormiria no sofá e ela em minha cama. “Jamais. Volte para sua cama. Sou alguém inesperado e eu durmo no sofá.”. Quis insistir, mas ela foi resistente. Antes que eu conseguisse arredar o pé da sala, dei-lhe um beijo no rosto. Ela sorriu tímida e segui para o quarto.



Deitei cobrindo o corpo com o edredom. Pus os olhos fixos no teto por tempo suficiente para não saber que horas eram. Sentei na cama. “O que eu to fazendo, meu Deus...?”- me perguntei enquanto ajeitava os cabelos bagunçados e a camisola frouxa. Levantei e fui a cozinha tomar um pouco de água; mero engodo pessoal para vê-la. Da cozinha, conseguia mirar Cecília deitada no sofá. A ânsia de estar perto era violenta e me maltratava.



Largando o copo na pia, fui para a sala e sentei na mesa de centro. Passei um tempo ali, apenas a vendo respirar e mexer-se enquanto dormia. Ao se mexer bruscamente, o lençol quase caiu. Na tentativa de ajeitá-lo, me senti mais instigada a tomar uma iniciativa. Trêmula, a cobri e passei a mão em seus cabelos. Eram sedosos, finos e de um castanho bem claro. “Deve ter nascido loirinha...”- imaginei. Continuei afagando seus cabelos até que ela se espantou. “Aconteceu alguma coisa?”- acordou espantada ao me ver ali. Não consegui falar; na verdade, não conseguiria colocar em palavras o tanto que a desejava. Estendi-lhe a mão. Olhou-me sem entender muito do que se tratava. “Apenas me dê a mão, Ceci...”. Levantei e a levei pela mão até o quarto. “Hoje acaba ou começa?”

17/05/2010

Pseudos - Parte 3

Rosa amarela e bilhete em mãos. “Quando recebi mesmo uma rosa...?”- busquei na memória. Recostei-me na porta. “De fato, um galã...!”- sorri. Logo o receio de Cecília estar investindo em mim invadiu minha cabeça. “Preciso acabar com isso.”. Corri para minha sala, peguei rapidamente minha bolsa, tranquei tudo e subi para a escola de idioma. Na recepção, dei de cara com uma mocinha, maquiada demais para o dia e empertigada demais para uma recepcionista. Cumprimentei-a e sem muitos rodeios pedi o número de Cecília. Ela se negou. Perguntei então, onde Cecília costumava almoçar. A mesma indagou-me o porquê do interesse. “Você é mãe dela?”- impliquei, já irritada. A contra gosto, disse que almoçava todos os dias no shopping que ficava ao final da avenida. “Ela vai sempre ao restaurante japonês”. Insinuando coisas complementou, afirmando que eu não me preocupasse, pois ela sempre ia almoçar sozinha. Sem agradecer e querendo esganá-la, saí.

Desci a avenida a pé. Era uma hora da tarde e me sentia num pedaço do inferno. Tirei o terno cinza-chumbo, arregacei as mangas da camisa branca de listras finas e abri mais um botão dela. Cheguei ao shopping desidratada. “O mundo devia ser climatizado”. Um tanto desambientada, busquei com os olhos a praça de alimentação do local. Encaminhei-me para o andar de cima com um discurso todo ensaiado. “Cecília, foi ótimo, mas não podemos ficar nos vendo. Você pode estar confundindo as coisas...”. Estava repassando o texto em mente, quando de longe, avistei um rapaz de jeans folgado e caído, camiseta azul, cabelo liso caindo um pouco sobre os olhos, segurando uma bandeja enquanto procurava lugar para sentar. “Achei”. Andei em sua direção rapidamente, mas antes que eu me aproximasse, ela saiu andando entre as mesas. Andei mais rápido ainda. Ela achou uma mesa e se sentou.
“Por que não esperou que eu abrisse a porta...?”- indaguei-a. Cecília virou-se e de olhos arregalados, sorriu. “Ela tem os olhos claros. Olhos de avelã...”- admirei. Sorri curtindo ter sido o fator surpresa e fui me sentando. Ela demorou um pouco até assimilar minha presença inesperada. Antes mesmo que ela pudesse dizer algo, quis saber se a comida do tal japonês valia a pena. Ela apenas acenou que sim. Largando o terno na mesa, fui fazer meu pedido. Voltei para esperar que meu número fosse chamado. Recuperada, perguntou como a achei. Falei então, que havia ligado para o curso para convidá-la para almoçar, ela já havia saído e depois que deixou a flor em minha porta, havia ido ao curso e a recepcionista me disse onde encontrá-la. “Que legal...!”- comentou Cecília. Porém, apesar da interjeição seca que qualquer pessoa diria, seu semblante me dizia milhões de coisas. Olhava sempre nos meus olhos e, naquele momento, a felicidade em me ver era quase palpável.

Almoçamos juntas jogando conversa fora. Falei da recepcionista atrevida e de sua insinuação. “Ela acha que, por ser como sou eu devo ser uma pessoa promíscua”. Avaliei se seria adequado ou não aproveitar o gancho para perguntar sobre sua vida amorosa. Arrisquei. “Ah,... (riso tímido) bem,... eu tive uma paixão adolescente como qualquer pessoa... eu era louca por uma menina da escola, a Camila. E desse colégio, eu fui expulsa por causa dela... (riso tímido de novo) Só vim namorar alguém quando fui para a universidade. Namorei uma menina do curso de direito e passamos um ano e meio juntas. Foi bom. Quando quis assumir nosso relacionamento, ela ameaçou me processar por difamação. Óbvio que terminamos...!” Sem que eu pudesse controlar, sorri muito sobre o possível processo. Cecília continuou falando de suas experiências amorosas. Revelou que depois da acadêmica de direito, ficou com algumas meninas, mas jamais conseguira engatar um novo relacionamento. Quando questionei o que faltava... “Falta alguém que me faça perder a noção de tempo, de espaço. Falta alguém que não se incomode com o que eu visto, pois está comigo pelo que eu sou. Não sou perfeita... mas, não sou qualquer uma. Sei o meu valor.”-afirmou todas estas coisas, encarando-me. Fiquei brincando com os últimos grãos de ervilha no prato e avaliando cada palavra que ouvi.


O silêncio fora quebrado com ela dizendo que precisava voltar. “Darei aula daqui a meia hora”. Mudas, pegamos nossas coisas e saímos. Caminhando na rua, ela me estendeu a mão. Não entendi. “Seu terno... Eu levo.” Sem pensar muito, apenas o entreguei. Por várias vezes, olhei-a de rabo de olho enquanto andávamos. Era adorável a forma como ajeitava os cabelos bagunçados pelo vento e como volta e meia andava com um pé na frente do outro. “Por mais q tente, ainda é uma garota.”- constatei. Chegamos enfim ao prédio, entramos, pegamos o elevador. Estávamos sós e uma tensão estranha pairava na caixinha metálica. Um pouco antes de chegar ao meu andar e a porta se abrir, virei para me despedir de Cecília. Num gesto inconsciente, toquei seu rosto com a palma da mão e dei-lhe um beijo na bochecha. “Até a próxima.”- disse. Cecília sorriu com olhos ternos. A porta se abriu e eu saí.


Mal entro no escritório e Ana vem em minha direção, mas nada ouvi. “Como a companhia de alguém pode ser tão intensa...?!”. Ana cutucou-me. “A Sra. está me ouvindo, Dra...? Achei uma rosa sobre a mesa e coloquei num copo alto com água”. Nada falei. Dei-me conta então, que não fizera o que pretendia. Joguei-me na cadeira e liguei o computador. Sem muita demora, fiz um email para Eduarda; minha amiga de infância, de profissão, fiel escudeira e minha psicóloga amadora. “Preciso falar com você. É um tanto quanto urgente. Logo que puder me ligue. Beijos.”.

Com uma hora do envio do email, Eduarda chega ao escritório. Estava por perto quando o leu. Abraçamos-nos. Havia um tempo que não nos víamos e a saudade era imensa. Nossas rotinas atribuladas impediam que tivéssemos a mesma freqüência de contato de alguns anos atrás. Após pedir a Ana que nos trouxesse um café e falássemos do trivial, ela foi direto ao ponto. “Qual a sua angústia?”. A pergunta era cruel, pois milhões de coisas me angustiavam. Começando pelo começo, falei da minha eterna dificuldade de estar em família, de não saber como lidar com as pessoas me cobrando casamento-família-filhos e da falta de paciência com eles. “Você desistiu disso?”. Depois de uns minutos pensando, afirmei que de alguma forma havia desistido. Aquilo não era mais prioridade. Em seguida contei todo o desgaste das relações de trabalho e do fim da sociedade. Era insuportável ter um negócio com um aproveitador. Contudo, a pergunta sobre como administrar sozinha tudo aquilo não queria calar. “Mas, você já administrava tudo só... A presença dele é que te dava a ilusão de dividir as coisas. Continue administrando tudo da mesma forma. Qualquer coisa, tô por perto...! Posso pegar umas audiências pra você ou assumir aqui, se necessário”. Por fim, o assunto mais delicado e constrangedor; Cecília. Eduarda que estava sentada de forma relaxa na cadeira a minha frente, inclinou-se para frente com um sorriso cínico no rosto ao ouvir que eu havia conhecido alguém. Não agiria daquela forma se não visse em mim a perturbação que a pessoa me causava. Contei então, desde aquela noite no elevador cheio de inimputáveis, em que confundi Cecília com um adolescente qualquer. Eduarda chamou-me de audaciosa por aceitar o convite do dito rapazola. Porém, ao lhe revelar que se passava de uma mulher no auge de seus vinte e cinco anos, emudeceu perplexa.

Deixei claro, enfim, que tudo aquilo me inquietava. Não sabia interpretar os sentimentos que me invadiam quando estávamos juntas. Não aceitava aquela sensação de felicidade e leveza, mas quando me espantava, estava curtindo cada minuto. Expliquei que naquela manhã havia tomado a decisão de me afastar, mas que não conseguira. Por fim, admiti não entender porque havia tocado-a antes de sair e muito menos, porque havia lhe beijado o rosto de forma tão terna e afetuosa. Reparei durante o relato meu coração cada vez menor.

Eduarda levantou-se e veio em minha direção. Diante de mim, puxou-me pela mão e fez com que eu me levantasse. Nos abraçamos. “Olha,... eu não sei quais são as coisas que você precisa para ser feliz. Mas, sei que você precisa tentar. Faz muito tempo que você não se permite as coisas... e isso não é saudável. Você nunca foi uma mulher limitada. Sempre foi visionária e ousada. Por que limitar-se hoje...? (risinho) Deve está sendo difícil assimilar toda esta situação, óbvio. Mas, sabe o q eu vejo quando olho para você neste exato momento...? Alguém naquele processo de encantamento... e isso é lindo, minha amiga...! Conte comigo como sempre contei com você. Lhe apoio no que quiser fazer... se quiser conhecer esta mulher que a Cecília quer te mostrar que é ou, se quiser se esquivar dela. Mas, escolher o que fazer...? Só você pode. Cá entre nós,... acho que seu coração já escolheu”.

Eduarda sabia como ferrar minha frágil estabilidade. Me pus a chorar copiosamente após ela dar meu diagnóstico. Eduarda me abraçou novamente e, com um sorriso cúmplice, deu-me um beijo na testa e enxugou meus olhos. “Não chore, sua boba... Vou chorar também! Curta tudo isso...! E depois me conta como é transar com uma mulher! Quando eu tava pra fazer o test drive, o Marcos apareceu...! (gargalhada)”. Enquanto me recompunha e Eduarda voltava para sua cadeira, Ana bateu a porta. Disse que entrasse. “Dra., com licença... Um rapaz veio aqui deixar seu terno... A sra. esqueceu com ele...”. Eduarda olhou para mim prendendo o riso, pois, era perceptível a insinuação de Ana em seu tom de voz.
Após colocar o terno sobre minha mesa, Ana saiu. “Isso foi pretexto para trazê-la aqui...?”- perguntou Eduarda, ajeitando o terno. Enrubesci e ri, baixando a cabeça. Ao olhar Eduarda, ela me estendeu a mão com um post it, dizendo-me que ele estava colado na parte interna do terno.

Se tocares novamente meu rosto com sua mão quente e macia, posso lhe constranger.
Ceci.
A possibilidade do constrangimento era convidativa e excitante.

14/05/2010

Pseudos - Parte 2

“Cecília. Meu nome é Cecília.” Não pude esconder minha perplexidade; meus olhos falavam e meu silêncio ensurdecia. Cecília ficara constrangida com minha surpresa, balançava a perna direita compulsivamente, apertava as mãos. Na tentativa de engolir a revelação, entornei metade da minha tulipa. Era impossível dizer algo. Ali foi só o início da minha confusão.

Apesar de desconfortável, também não concebia deixá-la constrangida. “Quem sou eu para julgá-la?” Uma garçonete passou, acenei para ela. Vendo meu gesto, Cecília comentou que talvez fosse melhor mesmo fecharmos a conta. Não sabia ainda porque, mas... “Só se você quiser... por mim, continuamos a beber.” Ela olhou-me como quem nada entendia. Com a aproximação da garçonete, pedi mais dois chopps.

Voltando ao nosso estado de silêncio, fui observá-la. Sim, era uma menina. “Eu estou cega, doida ou desesperada demais...?” – indaguei-me. Cecília tinha a pele alva, as mãos finas de dedo longos, unhas redondas, bem feitas, protegidas por base. A calça jeans que vestia, de fato, possuía o corte masculino, porém, olhando com mais cuidado, era capaz perceber um quadril saliente naquele balão. Ela riu quebrando meu momento de análise. “Desculpa,... estou me questionando como não havia percebido antes.” Inaugurando seu segundo chopp, afirmou sempre passar despercebido. Curiosa, quis saber o real motivo para a transformação.

“Nunca me senti menina. Toda aquela parte da infância com bonecas, cabelos longos, vestidos,... nunca existiu. Desde que pude optar pelas coisas, busquei o universo masculino. Não sei por que ao certo, mas adorava os carros do meu irmão, suas roupas, brincar com seus amigos, jogar bola,... Minha mãe tentou de todas as formas me convencer a me portar como uma legítima “filhinha da mamãe”, apelando até para a surra volta e meia. Entrando na adolescência tudo tornou-se mais complicado. Enquanto todas as meninas entravam na fase da vaidade, eu andava de bermudas e jogava vídeo game. Não que eu não seja hoje vaidosa... mas, a minha vaidade é como a vaidade masculina. Mudei de escola por incontáveis vezes, pois, ou eu era agredida ou, a própria escola exigia que eu mudasse. A esta altura, minha família já não me pressionava. Assimilaram meu jeito e pronto. Assim, eu era protegida. Lembro de minha mãe dizendo ao meu pai que, sempre buscaria o melhor para mim, mesmo que eu tivesse que passar por todas as escolas do país. Enfim, consegui terminar o colegial e passei no vestibular para letras. Na universidade foi tudo tão diferente... Passei por menos percalços que na fase escolar. Demorei a me acostumar com o fato das pessoas me respeitarem e a fazer amigos. As festas aconteciam e eu era chamada, as pessoas com quem me formei eram legais e me respeitavam. Só voltei a enfrentar problemas novamente após minha formatura, quando precisei procurar emprego. É complicado demais dizer seu nome delicado com uma aparência de moleque...! Para minha sorte, uma professora soube que eu estava passando esta dificuldade e me contratou. Dou aula no curso de idiomas que fica no andar acima do seu. Com o dinheiro que ganho, ajudo meu irmão a sustentar nossa casa, pois, não tenho mais pai.”

Ouvi pacientemente tudo que ela se sentiu confortável em dizer. Ao término, não tinha o que falar. Cecília me incentivou a dizer algo. “O que eu posso dizer...? Que tenho vergonha da minha história, porque eu sou a legítima “filhinha da mamãe”...?” Rimos. Comentou que eu não demonstrava ser mimada. “Sempre que te olho, sinto vir de você uma força imensa. É difícil acreditar que você foi mimada.” Ela me desconsertou. Rimos. De certa forma sempre lutei pelas minhas coisas, lutei por minha emancipação, pela minha graduação, pelo mestrado, pelo meu escritório.

Só sei dizer que as horas voaram enquanto eu conversava com Cecília. Aquela menina-mancebo não era nada frágil. Trazia consigo mais bagagem que eu; mais velha e, teoricamente, com mais estrada andada. A cada novo detalhe exposto, eu me via mais presa a sua história. A cada cerveja trazida eu me via mais solta e desenvolta. Quando dei por mim, já passava das duas da manhã, o bar estava sendo fechado, estávamos sendo varridas do local e ríamos como se não houvesse amanhã. Pedimos a conta; rachamos, pois ela, como um verdadeiro gentleman não me deixou pagar tudo sozinha. Saindo do bar, ofereci-lhe carona.

Durante o percurso, inquiriu-me sobre minha vida amorosa. “Uma palavra define tudo: fracasso. Tive alguns relacionamentos. Com um eu quase casei, mas ele ficou com medo da mulher que sustentava a casa. Desistiu meses antes da cerimônia. Ainda tentei com uns, mas nada sério... mero sexo para distrair. Minha família diz que fiquei traumatizada...! (riso irônico) A verdade, é que parei de procurar... não tenho tempo para ir a caça e, quando aparece, não é alguém que me inspire grandes sentimentos.”.

Estava na porta de Cecília quando acabei de falar. Ela agradeceu a noite, argumentando haver muito tempo que não saía com alguém e se divertia tanto. Impliquei, dizendo ser mentira, pois ela é encantadora. “É,... mas, nem todas agem como você ao descobrirem se sou uma mulher...”. Em seguida, aproximou-se para se despedir dando-me um beijo no rosto. Quanto mais perto ela estava, mais forte era seu perfume apesar das tantas cervejas que tomamos. “Seu perfume é bom...” – comentei enquanto ela já se afastava de mim. Cecília ficou sem jeito e eu, me condenando por ter pensado alto demais. Desceu do carro e, antes de bater a porta, revelou que jamais esquecera o meu desde aquele encontro no elevador. Porta batida e eu querendo me fundir com o volante. Fiquei esperando que ela entrasse em casa para poder partir.

No caminho para casa, meu estômago embrulhava e a cabeça girava. “Merda, acho que to bêbada.”. Cheguei em casa, tomei banho e cama. Acordo com o celular tocando. “Dra., já são dez horas da manhã... o ‘agradável’ do seu sócio já ligou mil vezes, sua mãe também ligou... ela já tá ligando pros hospitais atrás da Sra. ...” – era Ana, minha secretária. Dei um pulo da cama. A cabeça pesava; resultado de muito tempo sem beber. Desliguei o telefone, tomei um banho, pus a farda de operária e saí. Indo para o escritório, liguei para minha mãe. “Oi. [pausa] Tô bem, mãe... Nada de mais. [pausa] Não, mãe. Já falei que não aconteceu nada. [pausa] A sra. pode parar de dar chilique?! Não posso pegar um porre e perder a hora?!”. Enfim, ela lembrou que sou dona do meu nariz.

Já no escritório, o barulho era infernal. Ana me olhou como se adivinhasse meu estado. Veio atrás de mim com café preto bem forte. “Sua mãe ligou dizendo seu estado...!”. Encarei-a com ódio. Pedi que não passasse nenhuma ligação para mim, pois só resolveria coisas internas naquele dia. Perguntou-me o que diria as pessoas. “Eu que sei...?! Minta.” Antes que entrasse em minha sala, o encostado do meu sócio aparece. Parecendo mais meu chefe, quis saber de tudo; por onde eu andei, qual o motivo do atraso, porque eu não havia ligado,... Após tantas perguntas, pedi que sentasse e o informei do meu interesse no rompimento da sociedade. “Não trabalho duro para ter você se escorando e pisando em mim. Eu sou a dona disso tudo. Você é mero figurante. Sua parte na sociedade é ínfima. E se for o caso, ponha preço nela e eu compro. Mas, se você tiver o mínimo de decência, não me cobrará nada.”. Ofendido, saiu porta afora. Foi-se então metade do peso da minha cabeça.

Sentada em minha cadeira passei o dia, buscando dentro de mim alguma resposta para a necessidade imensa de mudança. “Vá entender... só sei que é bom.”. Quando Ana bateu a porta a fim de avisar que iria almoçar, eu estava andando pelas curvas da lembrança recordando cada detalhe da noite anterior. Achar louca minha atitude de continuar naquele bar com Cecília, não me fazia arrepender-me de ter ficado. Lembrava de seu rosto, de seus olhos,... “Invasores demais...” de seu perfil bem desenhado. Por um instante quis imaginá-la vestindo roupas femininas. “Impossível.” De súbito, me repreendi por tanta admiração, por tanto interesse, por tanta vontade de sair de novo com ela. “Só me faltava essa...”. Na universidade quase tudo é permitido, porém, de tudo é feito. Eu, como tantas outras, tive meu momento lésbico não chegando ao ponto de dormir com uma menina, mas já havia beijado só para ganhar a aposta de beijar a menina mais bonita do curso. Não desgostei... Mas, não me sentia a vontade com aquilo. Minha paixão e desgraça sempre foram os homens. “Derrota...”. Cecília não era comum. Não me lembrava nem um pouco as sapatões da minha época, apesar da forma que vive. Ela inspirava, acima de qualquer coisa, saber quem era. E encontrar alguém que tenha plena consciência de quem é, é raro. “Se existe, achei.” Aquilo sim me fazia admirá-la. Perceber que ela tem a estabilidade de ser que eu não tenho, inquietou-me.

Antes que Ana me desse as costas e saísse, lhe pedi que achasse o número da escola de idiomas do andar de cima. Prontamente, o achou e o trouxe. Depois de trinta minutos de frescura diante do telefone, liguei procurando por ela. A infeliz da atendente quis porque quis me convencer a me matricular. Com tanta insistência... “Filha, eu falo dois idiomas fluentemente. Agora, chame a Cecília.”. Aquele desgaste todo só para ela me dizer que Cecília havia saído enquanto nós falávamos ao telefone. “Pena que não posso mais alegar forte emoção para justificar um homicídio.”- me lamentei. A minha grande frustração de não encontrá-la incomodou-me. “O que tá acontecendo e eu não estou vendo...?!”

Levantei da cadeira para esticar as pernas e aproveitei para admirar o trânsito frenético como de um formigueiro. Campainha toca. “As pessoas não almoçam?”. Pensei em não atender. Repensei a situação quando lembrei que meu futuro ex-sócio poderia estar negligenciando algum cliente. Aquilo poderia ser algum deles reclamando ou algo do tipo. Arrastei-me até a porta. Nisso, foi tempo suficiente para a pessoa desistir. Abri a porta e não havia ninguém. Exceto por uma rosa amarela na soleira com um bilhete.

Queria almoçar com você, mas não deu. A flor é pela noite de ontem. Pessoas singulares merecem reconhecimento.
Cecília.
É, eu não era a única a estar, de alguma forma, incomodada com tudo que aconteceu. Seria isso bom ou ruim?

10/05/2010

Pseudos - Parte 1



Despertador ecoa no quarto e mais um dia de trabalho árduo se inicia. Não demoro em levantar. “Faz tempo que não enrolo na cama...” – constato. Após uma ducha rápida e vestir a roupa de operária; terno muito bem passado e sapatos limpos; saio de casa. Mal chego ao escritório e já existe uma pilha de processos para serem vistos, clientes querendo ser atendidos, advogados com uma série entraves para serem resolvidos. “Nunca quis tanto tirar férias”. Sento em minha mesa e no primeiro espanto, já passam do meio dia. Alguém me sugere sair p almoçar. “O mundo não vai parar para que eu almoce...!”. Num segundo espanto, a tarde caiu. De tão exausta, estou quase que dormente e o cansaço do dia só irei sentir quando tudo parar.

As 8 da noite desligo o computador, ajeito a montanha de papéis sobre a mesa e olho pela janela. Recordo-me que, ao comprar aquela sala eu não estava muito satisfeita, o local era meio a ermo. Naquela noite, enfim, notei que não era mais. A vizinhança era formada por outros prédios comerciais e vários bares, todos com seus letreiros de happy hour. Fui saindo, observando todas as salas e mesas procurando na memória resquícios de quando havia sido meu último chopp depois do trabalho. “No final do ano...? Não. Meu aniversário. [pausa] Putz,.. não.”

Saio da sala, vou logo em direção ao elevador e aperto o botão. A cada minuto mais chateada com a vida sem graça que eu tinha, saio do transe com o barulho do elevador se abrindo. Entro. Estava cheio de inimputáveis. Havia muito tempo que eu não via tantas espinhas, aparelhos e chicletes juntos. Com tanto barulho e baderna, oito andares pareciam oito milhas. Olhei para o lado em busca do espelho para avaliar minha máscara de gente e um ser destoa naquela caixa. De corpo franzino, calça e camiseta largar, All Star surrado parecido com o que havia jogado fora tempos atrás. Me recriminei; “Ridícula. Possível pedófila.” Ri de canto de boca. Não sei como, mas consegui ouvir aquele risinho no meio da bagunça. Estico os olhos e percebo que fui surpreendida. Aquele rosto fino de mancebo, pálido sobre um par de ombros ossudos me encarou. Desviei os olhos. Ameacei fitá-lo novamente e estava distraído com o mp3. A boca era rosada e delicada. “Muito andrógino”.

A porta se abre. Os outros fedelhos saem e se despendem do mancebo que só acena com a mão. Lisonjeiro, segura a porta para que eu saia. “De qual século ele deve ser mesmo...?”. Apenas, aceno com a cabeça, dou-lhe um sorriso discreto e saio. Com passos largos e leves, mesmo vindo depois de mim, ele me ultrapassa e vara a portaria. Parada na frente do prédio, o acompanhei atravessar a avenida, falar com uns e outros, caminhar mais um pouco e logo adentrar um bar. “Chopp...? Não. Seria demais.”. Apesar de cogitar a investida no rapazola, não soava muito bem me interessar por um garoto que pode ter a idade de meu irmão caçula. Conclusão do momento: desespero, solidão e ser workaholic fazem muito mal a sua vida sexual. Deixando de ser membro da segurança do prédio, dou uns dez passos e chego ao meu carro. “Casa. Urgente.”

Em casa, ligo as luzes, jogo pasta, bolsa, deixo os sapatos como quem faz o caminho de João e Maria. Depois de um bom banho, ligo pro japonês que fica na esquina para me trazer algo. Deitada, esperando meu jantar chegar, o telefone toca. Era minha irmã alertando-me de que eu jamais fora órfã, mas caso fosse necessário, esqueceriam de mim. “Oi, Marília. [pausa] É, fiquei de ligar... Mas, não deu. [pausa] Ahn, não sei, Ma... tô tão cansada. E os meninos? [pausa] Ok. E não vai querer mesmo que eu providencie a sua litigiosa daquele babaca...? (risinho irônico) [pausa] Ainda bem que é seu. Então, tá. Beijo pra mamãe. Tchau.” Telefone desligado. A procura se deu por conta de um almoço de família, daqueles que todo mundo pode um dia ter; casa cheia, comida o suficiente para te deprimir, primos e irmãos casados, com seus cônjuges, crias e, a velharia e os desagradáveis perguntando quando você vai conseguir ter alguém e construir uma família. “Mas, quando eu quis mesmo ter uma família...? Pensei que já tivesse...” – questionei. O japonês chegou. Comi e dormi.

A manhã chegou e lá estava eu já dentro do carro, dirigindo no piloto automático, organizando as tarefas do dia na cabeça e buscando uma vaga em frente ao prédio. Inexplicavelmente, um vulto atravessou na minha frente. Num freio brusco, cantei pneus enquanto o infeliz espectro já estava na calçada. “Poderia morrer pra me poupar de sair pra matá-lo agora.”- resmunguei depois de uns palavrões. Quando o ódio se esvai um pouco e me permite olhar direito para a calçada... “Ah, moleque dos infernos!”. Quando pensei em sair, ele já estava ao lado do carro, batendo no vidro da porta. “Desculpa... ” – falou com a voz rouca. Desci e firmemente, afirmei que da próxima faria questão de esquecer dos freios. Riu e me desconsertou ao dizer que eu não possuo cara de quem esqueceria dos freios. “Debochado.” Calada, mas com o rosto em chamas, entrei no carro e fui estacionar.

No hall do prédio, o projeto de homem me aguardava conversando com o segurança. Enquanto eu esperava o elevador vir do além, colocou-se ao meu lado e me inquiriu, querendo saber como poderia se redimir. “Sumindo...?”. Falei por falar, pois, era ele quem iria morrer mesmo... E, além do mais, o perfume do cretino era ótimo. Havia muito tempo que eu não prestava atenção no perfume de um homem. O elevador chegou, entramos. Fomos mudos até o oitavo andar. Antes que se fechasse a porta, ele sorriu encantadoramente. “Pronto. Só me faltava agora dar brecha pra um fedelho.”

O dia de cão passou que nem vi. Depois de ameaçar desfazer sociedade, de ameaçar demitir gente, de ameaçar mandar tudo pelos ares e me defenestrar, soou o gongo. Eu já estava no escritório só quando estranhei tocarem a campainha. Levantei e de longe pude ver uma silhueta lânguida e esguia na porta de vidro jateado. Abri a porta. Na soleira, estava o projeto de cadáver daquela manhã. Olhei para ele curiosa. Desculpou-se por bater no escritório naquela hora. Continuei ouvindo. “Posso te pagar uma bebida pelo que aconteceu hoje?”- perguntou direto. Pedi que aguardasse. Fechei a porta, voltei a minha sala, avaliei a pilha de coisa que ficaria por fazer. “Bem,... o que pode me acontecer de mais...? Amanhecer numa sarjeta esquartejada...?”. De bolsa no ombro direito e séria, saí, tranquei a porta. Ele me acompanhou. Pegamos o expresso elevador, pois, àquela hora poucos ainda estavam no prédio.

Na calçada, paramos. Olhou-me como quem pergunta para onde iríamos. “Você me convidou. Escolha.”. Ele esboçou um sorriso e todo dono de si, disse para atravessarmos a rua. Andando pela calçada cheia de transeuntes, aquele corpo frágil encontrou-se com o meu algumas vezes. Até hoje não sei se, o que sentia por conta dos esbarros era frisson ou agonia. Não demorou muito para entrarmos no mesmo bar no qual o vi entrar na noite anterior. O lugar era simples, mas com seu charme. Rock da minha época tocando, mesa de bilhar, garçonete por todos os lados. Sentamos. Acenou para uma das moças e pediu um chopp. “Dois”- corrigi. Após pedir, peguei-o me observando como se estivesse surpreso; talvez esperasse que eu pedisse um Martini, sei lá. “O que foi? Advogada também é gente, bebe e se deixar, bebe muito.” Sorrimos.

O chopp chegou. Tomei o primeiro gole e fiquei brincando com o degelo do copo. Ele comentou, tentando puxar assunto, que sempre me via entrar e sair do prédio com pressa. Falou do jeito sério como ando, da expressão sisuda do rosto. “A vida corre diante dos meus olhos e eu preciso, no mínimo, tentar alcançá-la. Não posso perder tempo.” Silêncio. Após um gole longo, perguntou-me se de alguma forma eu não estava perdendo tempo. “Faz sentido. Mas, não há como voltar atrás. Inês é morta...!” – respondi com um risinho, porém, não transparecer que ele havia pisado em território delicado era impossível. Sensível, notou o que aconteceu e desculpou-se. Estiquei um riso de canto de boca e o repreendi por tantas desculpas. Encarou-me e era impossível naquele momento administrar a sensação de, depois de anos, ser vista por alguém com olhos como os dele; curiosos, ansiosos, desejosos, como se pudesse passar a noite ali comigo, apenas me olhando. Enrubesci. Rimos.

Aproveitei a descontração e me apresentei. Nos demos as mãos num cumprimento. Perguntei seu nome. Silêncio. “Seu nome é feio...? Não tem problema... Deve ter um apelido...!”. Riu antes de virar a tulipa. “Cecília. Meu nome é Cecília.”

Retorno; e é bom estar de volta.

Retorno, fatídico retorno.

Muitas vezes, só de olhar para trás já doe... imagine voltar.
Não neste caso.
Como abrir uma janela numa casa mofada e empoeira é retornar aqui.
As salas e quartos estão abertos para arejar, mudar de cheiro, de aspectos e até receberem pintura nova.
Quem sabe uma nova inquilina...? rs
Quem sabe...? - eco.
Como está a porta, é apenas um espacinho para contos, historinhas e afins...
Tudo ainda está meio sujo, ainda não tenho mobília,.. mas, chão tem para todo mundo...!
Fique a vontade, pois a casa é humilde, mas é de gente boa...! 

Zig.