17/05/2010

Pseudos - Parte 3

Rosa amarela e bilhete em mãos. “Quando recebi mesmo uma rosa...?”- busquei na memória. Recostei-me na porta. “De fato, um galã...!”- sorri. Logo o receio de Cecília estar investindo em mim invadiu minha cabeça. “Preciso acabar com isso.”. Corri para minha sala, peguei rapidamente minha bolsa, tranquei tudo e subi para a escola de idioma. Na recepção, dei de cara com uma mocinha, maquiada demais para o dia e empertigada demais para uma recepcionista. Cumprimentei-a e sem muitos rodeios pedi o número de Cecília. Ela se negou. Perguntei então, onde Cecília costumava almoçar. A mesma indagou-me o porquê do interesse. “Você é mãe dela?”- impliquei, já irritada. A contra gosto, disse que almoçava todos os dias no shopping que ficava ao final da avenida. “Ela vai sempre ao restaurante japonês”. Insinuando coisas complementou, afirmando que eu não me preocupasse, pois ela sempre ia almoçar sozinha. Sem agradecer e querendo esganá-la, saí.

Desci a avenida a pé. Era uma hora da tarde e me sentia num pedaço do inferno. Tirei o terno cinza-chumbo, arregacei as mangas da camisa branca de listras finas e abri mais um botão dela. Cheguei ao shopping desidratada. “O mundo devia ser climatizado”. Um tanto desambientada, busquei com os olhos a praça de alimentação do local. Encaminhei-me para o andar de cima com um discurso todo ensaiado. “Cecília, foi ótimo, mas não podemos ficar nos vendo. Você pode estar confundindo as coisas...”. Estava repassando o texto em mente, quando de longe, avistei um rapaz de jeans folgado e caído, camiseta azul, cabelo liso caindo um pouco sobre os olhos, segurando uma bandeja enquanto procurava lugar para sentar. “Achei”. Andei em sua direção rapidamente, mas antes que eu me aproximasse, ela saiu andando entre as mesas. Andei mais rápido ainda. Ela achou uma mesa e se sentou.
“Por que não esperou que eu abrisse a porta...?”- indaguei-a. Cecília virou-se e de olhos arregalados, sorriu. “Ela tem os olhos claros. Olhos de avelã...”- admirei. Sorri curtindo ter sido o fator surpresa e fui me sentando. Ela demorou um pouco até assimilar minha presença inesperada. Antes mesmo que ela pudesse dizer algo, quis saber se a comida do tal japonês valia a pena. Ela apenas acenou que sim. Largando o terno na mesa, fui fazer meu pedido. Voltei para esperar que meu número fosse chamado. Recuperada, perguntou como a achei. Falei então, que havia ligado para o curso para convidá-la para almoçar, ela já havia saído e depois que deixou a flor em minha porta, havia ido ao curso e a recepcionista me disse onde encontrá-la. “Que legal...!”- comentou Cecília. Porém, apesar da interjeição seca que qualquer pessoa diria, seu semblante me dizia milhões de coisas. Olhava sempre nos meus olhos e, naquele momento, a felicidade em me ver era quase palpável.

Almoçamos juntas jogando conversa fora. Falei da recepcionista atrevida e de sua insinuação. “Ela acha que, por ser como sou eu devo ser uma pessoa promíscua”. Avaliei se seria adequado ou não aproveitar o gancho para perguntar sobre sua vida amorosa. Arrisquei. “Ah,... (riso tímido) bem,... eu tive uma paixão adolescente como qualquer pessoa... eu era louca por uma menina da escola, a Camila. E desse colégio, eu fui expulsa por causa dela... (riso tímido de novo) Só vim namorar alguém quando fui para a universidade. Namorei uma menina do curso de direito e passamos um ano e meio juntas. Foi bom. Quando quis assumir nosso relacionamento, ela ameaçou me processar por difamação. Óbvio que terminamos...!” Sem que eu pudesse controlar, sorri muito sobre o possível processo. Cecília continuou falando de suas experiências amorosas. Revelou que depois da acadêmica de direito, ficou com algumas meninas, mas jamais conseguira engatar um novo relacionamento. Quando questionei o que faltava... “Falta alguém que me faça perder a noção de tempo, de espaço. Falta alguém que não se incomode com o que eu visto, pois está comigo pelo que eu sou. Não sou perfeita... mas, não sou qualquer uma. Sei o meu valor.”-afirmou todas estas coisas, encarando-me. Fiquei brincando com os últimos grãos de ervilha no prato e avaliando cada palavra que ouvi.


O silêncio fora quebrado com ela dizendo que precisava voltar. “Darei aula daqui a meia hora”. Mudas, pegamos nossas coisas e saímos. Caminhando na rua, ela me estendeu a mão. Não entendi. “Seu terno... Eu levo.” Sem pensar muito, apenas o entreguei. Por várias vezes, olhei-a de rabo de olho enquanto andávamos. Era adorável a forma como ajeitava os cabelos bagunçados pelo vento e como volta e meia andava com um pé na frente do outro. “Por mais q tente, ainda é uma garota.”- constatei. Chegamos enfim ao prédio, entramos, pegamos o elevador. Estávamos sós e uma tensão estranha pairava na caixinha metálica. Um pouco antes de chegar ao meu andar e a porta se abrir, virei para me despedir de Cecília. Num gesto inconsciente, toquei seu rosto com a palma da mão e dei-lhe um beijo na bochecha. “Até a próxima.”- disse. Cecília sorriu com olhos ternos. A porta se abriu e eu saí.


Mal entro no escritório e Ana vem em minha direção, mas nada ouvi. “Como a companhia de alguém pode ser tão intensa...?!”. Ana cutucou-me. “A Sra. está me ouvindo, Dra...? Achei uma rosa sobre a mesa e coloquei num copo alto com água”. Nada falei. Dei-me conta então, que não fizera o que pretendia. Joguei-me na cadeira e liguei o computador. Sem muita demora, fiz um email para Eduarda; minha amiga de infância, de profissão, fiel escudeira e minha psicóloga amadora. “Preciso falar com você. É um tanto quanto urgente. Logo que puder me ligue. Beijos.”.

Com uma hora do envio do email, Eduarda chega ao escritório. Estava por perto quando o leu. Abraçamos-nos. Havia um tempo que não nos víamos e a saudade era imensa. Nossas rotinas atribuladas impediam que tivéssemos a mesma freqüência de contato de alguns anos atrás. Após pedir a Ana que nos trouxesse um café e falássemos do trivial, ela foi direto ao ponto. “Qual a sua angústia?”. A pergunta era cruel, pois milhões de coisas me angustiavam. Começando pelo começo, falei da minha eterna dificuldade de estar em família, de não saber como lidar com as pessoas me cobrando casamento-família-filhos e da falta de paciência com eles. “Você desistiu disso?”. Depois de uns minutos pensando, afirmei que de alguma forma havia desistido. Aquilo não era mais prioridade. Em seguida contei todo o desgaste das relações de trabalho e do fim da sociedade. Era insuportável ter um negócio com um aproveitador. Contudo, a pergunta sobre como administrar sozinha tudo aquilo não queria calar. “Mas, você já administrava tudo só... A presença dele é que te dava a ilusão de dividir as coisas. Continue administrando tudo da mesma forma. Qualquer coisa, tô por perto...! Posso pegar umas audiências pra você ou assumir aqui, se necessário”. Por fim, o assunto mais delicado e constrangedor; Cecília. Eduarda que estava sentada de forma relaxa na cadeira a minha frente, inclinou-se para frente com um sorriso cínico no rosto ao ouvir que eu havia conhecido alguém. Não agiria daquela forma se não visse em mim a perturbação que a pessoa me causava. Contei então, desde aquela noite no elevador cheio de inimputáveis, em que confundi Cecília com um adolescente qualquer. Eduarda chamou-me de audaciosa por aceitar o convite do dito rapazola. Porém, ao lhe revelar que se passava de uma mulher no auge de seus vinte e cinco anos, emudeceu perplexa.

Deixei claro, enfim, que tudo aquilo me inquietava. Não sabia interpretar os sentimentos que me invadiam quando estávamos juntas. Não aceitava aquela sensação de felicidade e leveza, mas quando me espantava, estava curtindo cada minuto. Expliquei que naquela manhã havia tomado a decisão de me afastar, mas que não conseguira. Por fim, admiti não entender porque havia tocado-a antes de sair e muito menos, porque havia lhe beijado o rosto de forma tão terna e afetuosa. Reparei durante o relato meu coração cada vez menor.

Eduarda levantou-se e veio em minha direção. Diante de mim, puxou-me pela mão e fez com que eu me levantasse. Nos abraçamos. “Olha,... eu não sei quais são as coisas que você precisa para ser feliz. Mas, sei que você precisa tentar. Faz muito tempo que você não se permite as coisas... e isso não é saudável. Você nunca foi uma mulher limitada. Sempre foi visionária e ousada. Por que limitar-se hoje...? (risinho) Deve está sendo difícil assimilar toda esta situação, óbvio. Mas, sabe o q eu vejo quando olho para você neste exato momento...? Alguém naquele processo de encantamento... e isso é lindo, minha amiga...! Conte comigo como sempre contei com você. Lhe apoio no que quiser fazer... se quiser conhecer esta mulher que a Cecília quer te mostrar que é ou, se quiser se esquivar dela. Mas, escolher o que fazer...? Só você pode. Cá entre nós,... acho que seu coração já escolheu”.

Eduarda sabia como ferrar minha frágil estabilidade. Me pus a chorar copiosamente após ela dar meu diagnóstico. Eduarda me abraçou novamente e, com um sorriso cúmplice, deu-me um beijo na testa e enxugou meus olhos. “Não chore, sua boba... Vou chorar também! Curta tudo isso...! E depois me conta como é transar com uma mulher! Quando eu tava pra fazer o test drive, o Marcos apareceu...! (gargalhada)”. Enquanto me recompunha e Eduarda voltava para sua cadeira, Ana bateu a porta. Disse que entrasse. “Dra., com licença... Um rapaz veio aqui deixar seu terno... A sra. esqueceu com ele...”. Eduarda olhou para mim prendendo o riso, pois, era perceptível a insinuação de Ana em seu tom de voz.
Após colocar o terno sobre minha mesa, Ana saiu. “Isso foi pretexto para trazê-la aqui...?”- perguntou Eduarda, ajeitando o terno. Enrubesci e ri, baixando a cabeça. Ao olhar Eduarda, ela me estendeu a mão com um post it, dizendo-me que ele estava colado na parte interna do terno.

Se tocares novamente meu rosto com sua mão quente e macia, posso lhe constranger.
Ceci.
A possibilidade do constrangimento era convidativa e excitante.

6 comentários:

Leo disse...

esperando o 4... ansiosamente...

Samir Aranha disse...

PARTE 4 JÁ!!!

não consigo parar de ler...
=*

Comércio de Sonhos disse...

"PARTE 4 JÁ!!!

não consigo parar de ler...
=*" [´2]

encantada com a sensibilidade de Eduarda... e torcendo pro primeiro beijo já!!!

Larissa Sampaio disse...

Esses recadinho são tudo!

Leo disse...

"PARTE 4 JÁ!!!

não consigo parar de ler...
=*"³

"Esses recadinho são tudo!"²

Posta logo!!!!

Anônimo disse...

Vc é uma menina muito má !!!!
Fazendo agente esperar assim...
KKKKK
Gostei de seu estilo, muito elegante.
vou aocmpanhar...
Aproveita e me faz uma visitinha...
http://psycholes.blogspot.com/

Bjks